“E quanto a vocês que têm uma posição ideológica determinada, não têm que esperar por mim. Tomem a iniciativa, assumam responsabilidades, façam. É melhor cometer erros fazendo, ainda que disto resulte a morte. Os mortos são os únicos que não fazem autocrítica.“
Quem samba fica, quem não samba vai embora. Dezembro de 1968.
Carlos Marighella.
Há pouco mais de um ano, publicamos nossa Resolução VII, que recebeu o título “Fortalecer a mais ampla frente democrática e organizar um vigoroso movimento patriótico e popular“, agora, praticamente após o turbulento ano de 2019, que em breve se encerra, consideradas as mudanças de cenário, assim como percebida a inalteração de certos fatores políticos e sociais, e analisado o aprofundamento da abismal crise econômica brasileira, a Organização A Marighella – Construção do Partido Revolucionário, após intenso período recente de debates e de acúmulos internos, em exercício de centralismo democrático, finalmente resolve o seguinte:
1) O mundo experimenta um momento de enorme beligerância entre as potências desenvolvidas. Em especial, entre Estados Unidos (capitalista) e China (socialista em etapa “de mercado”). Pode-se dizer que estamos em meio a uma “segunda guerra fria“. É um momento de enormes incertezas, no qual a ordem imperialista tem sido estabelecida principalmente pela promoção da desordem mundial. Multitudinárias mobilizações, inclusive com apoio majoritário da classe trabalhadora, e eventualmente com uma pauta assertiva, podem simplesmente serem peças no tabuleiro, potencializadas pelo imperialismo, no teatro de operações da guerra. É o exemplo de Hong Kong. Ao mesmo tempo, institucionalizadas plenamente, além de deformadas ideologicamente, a maioria das forças hegemônicas da “esquerda” na Europa e na América Latina possuem dificuldade em responder a uma atmosfera de ruptura institucional. Por mais grotesco que possa parecer, a “esquerda hegemônica” na maioria dos países da Europa e da América Latina tem sido a porta-voz da resistência institucional, tem sido o elemento de conservação das instituições e da ordem, ao mesmo tempo em que a “direita” tem pautado a “mudança”, a “ruptura”, a “derrubada da ordem”. Esse sinal invertido conduz, por exemplo, à dificuldade da “esquerda hegemônica” britânica em abandonar a União Europeia para disputar os rumos do Brexit, ao mesmo tempo em que a “direita” acumula vitórias no diálogo com as massas populares nesse sentido, vide o último resultado eleitoral do Reino Unido. A conjuntura internacional reside atualmente em uma complexidade gigantesca, sendo (muito mais ainda) indispensável analisar com profundidade cada caso concreto antes de qualquer posicionamento.
2) Nessa mesma esteira de cautela na análise internacional, vê-se com comicidade certa visão na “esquerda” brasileira de que os “ventos” do Chile e do Equador estariam a caminho do Brasil. Para além da mera retórica política, na qual seja relativamente aceitável, dizer isso é ignorar absolutamente as singularidades de cada realidade nacional, é ver a política como se observasse uma mera condição climática. Outra não feliz comicidade é a visão vira-latista que, diante das mobilizações na América Latina, prega um suposto conformismo da brava gente brasileira com a situação lamentável em que o país se encontra. Uma afirmação desprovida de qualquer estudo aprofundado, que nada acumula politicamente, e que só serve para negligenciar os limites e a falência da “esquerda hegemônica” nacional. O povo brasileiro não é “acomodado”. O problema está na profunda crise (de formação ideológica, de linha política, de moral, de direção, etc.) da “esquerda hegemônica” de nosso país.
3) E finalmente, como se encontra o Brasil nesse mundo em aguda disputa geopolítica? O Brasil vivencia uma verdadeira tragédia, sem qualquer perspectiva (a curto e a médio prazo) de mudança na correlação de forças do país. Jair Bolsonaro conseguiu manter organizadas e engajadas suas hordas bolsonaristas, além de acentuar sua comunicação constante e massiva em “redes sociais”, agora muito mais potencializada pela força de exercício do poder político em governo federal. A sua busca por institucionalização, na tentativa de criação de uma nova legenda partidária, caminha justamente no sentido de montar uma definitiva rocha “ativista” do protofascismo brasileiro. Caso consiga, e infelizmente essa é a tendência, Bolsonaro terá um partido para chamar de seu, para consolidar a propagação institucional de suas ideias e de suas ações, para eleger quadros integralmente comprometidos com tais pensamentos, e, principalmente, para afastar elementos de divergência e/ou elementos causadores de escoriações na imagem do presidente. Não é preciso muita imaginação para visualizar que o “Aliança pelo Brasil” terá forte apelo nas massas populares, especialmente por se colocar contra a “corrupção” das “hienas” que “tentam fragilizar” o Governo Bolsonaro, além da estética ufanista. Eis aqui um contraste pouco explorado pela “esquerda hegemônica”, ora um presidente entreguista que diz ser patriota e nacionalista, ora um presidente que foi deputado por décadas, e que colocou a família inteira em mandatos parlamentares, mas que se coloca contra o “sistema”. Bolsonaro é o próprio “sistema”. No entanto, a “esquerda hegemônica” não consegue expressar isso justamente porque também está vinculada totalmente ao “sistema”.
4) Com um partido próprio, Bolsonaro facilitará a sua tarefa de cooptação do máximo dos aparatos estatais, inclusive de cooptação de elementos dos órgãos mais elevados do poder judiciário, afinal no próximo ano provavelmente devem começar as indicações bolsonaristas ao STF (Supremo Tribunal Federal), e Bolsonaro já mostrou não ter qualquer compaixão com a ideia de República, diferentemente do republicanismo do PT (Partido dos Trabalhadores). Além disso, Bolsonaro cooptou em definitivo o alto escalão das Forças Armadas, pois são raríssimas exceções que não apoiam seu governo. E mesmo quem não defende seu governo tende ir para a oposição de direita, além de ter espaço de atuação dificultado, como no caso do General Santos Cruz, general da reserva e ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo que deve ir para o PSDB ou para outra legenda semelhante. Em céu de brigadeiro, Bolsonaro conta ainda com apoio da imensa maioria do eleitorado “evangélico”, valendo recordar que os neopentecostais em breve deverão ser a maior população religiosa do país (com quase 40% do povo brasileiro). Importa lembrar que a população católica, que vem perdendo espaço cada vez mais para os diversos grupos “evangélicos”, não possui há muito uma expressão de engajamento permanente em seus templos e nas ruas; e com exceção de datas comemorativas e simbólicas, as igrejas católicas seguem esvaziadas e com baixa influência na vida das pessoas, situação completamente diferente dos segmentos “evangélicos”.
5) Sendo assim, com tantos fatores favoráveis para o presidente, por onde poderia iniciar a derrocada bolsonarista? A queda de Bolsonaro será iniciada com o estímulo político-organizativo da percepção popular, isto é, da sensibilidade das massas, acerca do caos econômico arquitetado por Paulo Guedes. A tomada massiva de consciência do caráter antipovo e antinacional desse governo será alcançada com o acerto político na organização de um movimento patriótico e popular. Dados objetivos, de acordo com o IBGE, e de modo triste, o país tem bastante: desemprego galopante (12,6 milhões); endividamento em massa (63,5 milhões); trabalho informal (38,6 milhões, o que representa 41,3% da população ocupada do país); pobreza extrema ou miséria (13,5 milhões de brasileiros que vivem com 145 reais mensais); alargamento da fome e da desnutrição, com a alta dos preços de alimentos (carne, pão, etc.), além de eventuais desabastecimentos do mercado interno pela falta de qualquer política de soberania alimentar; PIB (Produto Interno Bruto) negativo ou quase zero; desindustrialização total; recessão e deflação; queda gigantesca no consumo; fechamento de lojas (crise no setor de comércio e serviços). Enfim, somente os bancos e o agronegócio têm resistido aos números trágicos do plano Bolsonaro-Guedes. No entanto, o agro tem sido surpreendido a todo instante com a lunática política externa do atual governo brasileiro, o que gera instabilidade nos investimentos do setor. Os banqueiros, em verdade, são o único setor intocável nessa crise. Só neste ano, por exemplo, o Bradesco lucrou 6,5 bilhões de reais, o Santander lucrou 3,7 bilhões, e o Itaú teve lucro de 7,15 bilhões de reais, o que demonstra, verdadeiramente, que mesmo sem qualquer ilusão com algum setor realmente nacionalista, vale frisar que a crise tem servido somente a um setor da burguesia de nosso país, qual seja o setor da burguesia rentista, enquanto os demais setores burgueses vivem com os privilégios normais por pertencerem às elites dominantes, mas não têm conseguido crescer nem acumular capitais “em seus negócios” principais. E a classe trabalhadora, por óbvio, é a que mais agoniza nessa aventura ultraliberal de Bolsonaro e de Guedes.
6) O Brasil de Bolsonaro, de Paulo Guedes, e de Sérgio Moro, é uma bomba-relógio! A questão é que quando explodir, colocando em xeque toda a estrutura de apoio e de engajamento do bolsonarismo, não está certo que a alternativa imediata seja “progressista” (de esquerda ou de centro-esquerda). Muito pelo contrário. Devemos admitir que no atual cenário, se nada de novo surgir, a repetição das eleições de 2018 será a tendência em 2020 e em 2022. E para além do calendário eleitoral, infere-se que eventual convulsão social, resultante dos trágicos fatores econômicos promovidos pelo plano Bolsonaro-Guedes, nesse atual retrato da correlação de forças, somente aconteceria com enorme espontaneísmo, algo extremamente limitado e, em certa medida, perigoso, haja vista que pode servir de desculpa para um recrudescimento do governo, sobretudo considerada a já conhecida vontade de aventura ditatorial, ora sonho sincero do bolsonarismo.
7) Devemos admitir que hoje a tese da Frente Ampla, tese que defendemos desde o golpe de 2016, após a falência e incapacidade de articulação política do finado Governo Dilma, depois da inexistência de resistência real por parte dos setores da “esquerda hegemônica”, então governante, algo que nos forçou a tomar a referida linha política para evitar um isolamento maior, devemos admitir, enfim, que a tese da Frente Ampla encontra-se realmente inviabilizada. Primeiro, porque não ocorreu ainda um deslocamento do PT na condução do campo progressista. A ideia de que Ciro Gomes e o PDT disputariam fortemente a dianteira do campo progressista foi apenas um ensaio, tornou-se um mero sonho de uma eleição passada. E não é preciso muito para explicar que o PT é um elemento inviabilizador de qualquer tentativa de Frente Ampla, afinal, o antipetismo é a força hegemônica eleitoral, e ao mesmo tempo, o PT é a força hegemônica do campo progressista. Segundo, porque a brutal derrota das eleições de 2018 obrigou ao desmembramento da Frente Ampla em “frentes amplas”, em no mínimo três amplas frentes, com necessidade de largos arcos de coligações, em torno de três eixos: Brasil (soberania nacional e desenvolvimento); Povo (direitos do povo, direitos sociais); e Democracia (defesa das liberdades democráticas e da Constituição Federal de 1988). Porém, ocorre que os eixos Brasil e Povo, infelizmente, são de baixo potencial ampliacionista. Não ampliam para além da “esquerda” e da “centro-esquerda”. E a capacidade de mobilização popular no eixo Brasil é quase sempre simbólica e protocolar, e no eixo Povo, enquanto uma vigorosa mudança nos movimentos populares, sindical e estudantil, não ocorrer, a situação de imobilismo seguirá. Além da transformação dos movimentos populares em “movimentos sociais”, com forte apego identitário, além da predominância do pensamento contrarrevolucionário pós-moderno, além da falta de compreensão massificada anti-imperialista, além do distanciamento do entendimento prioritário da luta de classes, é verdade também que durante os governos petistas ocorreu uma esterilização em forma de grande burocratização das entidades-movimentos, especialmente as de caráter estudantil e sindical. E esse cenário somente será rompido com o necessário rompimento dessas entidades, o que temos feito desde meados do ano passado, quando notamos que o lulismo novamente triunfaria nas tradicionais entidades-movimentos do país, um cenário que não será modificado senão pela edificação de novas entidades-movimentos, então vinculadas às lutas revolucionárias da classe trabalhadora e da libertação nacional.
8) Ao contrário dos eixos Brasil e Povo, tão dificultados, o eixo Democracia, por mais sorte do que juízo dos dirigentes da “esquerda hegemônica”, realmente está em ampla frente acionada e institucionalizada, pois, claramente os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, do STF, Dias Toffoli, e do Senado Federal, Davi Alcolumbre, fecharam questão em torno de criar obstáculos nos poderes legislativo e judiciário contra as aventuras ditatoriais de Bolsonaro, presidente da república ora chefe do poder executivo. Entretanto, isso tem ocorrido mais por motivos da micropolítica (instabilidade de Bolsonaro na relação entre os poderes e na articulação com o Congresso Nacional) do que propriamente por uma real coligação em defesa da democracia (liberal-burguesa) por parte dos mandatários do judiciário e do legislativo nacionais. Com muito boa vontade e otimismo, poder-se-ia dizer que apenas Rodrigo Maia teria uma eventual postura mais ideológica (de centro-direita) nesse sentido de defesa da democracia liberal (burguesa), haja vista o pretérito triste de sua família, inclusive tendo ele nascido no exílio. Válido frisar que o apoio da grande imprensa burguesa à democracia liberal tem sido sistemático na contenção de danos do bolsonarismo. Por isso, concretamente, sem ilusões institucionais, mas sem medo de lutar e de radicalizar a luta, devemos entender que a democracia liberal-burguesa está menos fragilizada neste momento do que quando da publicação da Resolução VII, pois à época as incertezas sobre o Governo Bolsonaro eram maiores. De outro modo, os eixos Brasil e Povo fracassaram em Frente Ampla. Assim, devemos seguir apoiando as iniciativas ampliacionistas no eixo Democracia, mas devemos principalmente focar em reconstruir a agenda dos eixos Brasil e Povo, que são os eixos que fazem crescer de fato a luta revolucionária no seio do povo brasileiro, seja pela classe trabalhadora, seja pela libertação nacional.
9) Dessa arte, devemos igualmente definir o nosso relacionamento prioritário na institucionalidade, tendo em vista o novo retrato nacional. É válido seguir em diálogo aberto e público com o PDT de Ciro Gomes? Aliás, o PDT é o “partido” de Ciro Gomes? Vejamos que o PDT vive um esgotamento político-organizativo, sendo orientado e dirigido verdadeiramente por interesses mesquinhos da “política menor”, cada vez mais afundado em fisiologismo, e marcado por inúmeros desvios reacionários, não sendo excepcionalidades, mas, sim, uma regra, qual seja a regra de não ter regras. O PDT lamentavelmente é hoje um “balaio de gatos“, ou em dialeto brizolista, é uma reunião mais de “interésses” particulares do que propriamente um partido trabalhista, nacionalista e popular. O PDT é carimbado por lideranças regionais que apoiaram Haddad e Bolsonaro no primeiro turno, negando a candidatura de Ciro Gomes. O projeto de Ciro está sendo inviabilizado pelo próprio PDT. E infelizmente o próprio Ciro não parece interessado em fazer esse combate interno tão indispensável. Longe disso, exceto no caso Tabata Amaral, em que a fumaça gerada foi mais por motivos de frustração pessoal do que por qualquer outra coisa, Ciro e os ciristas acreditam que só poderão disputar o PDT após a eleição do companheiro para o cargo de Presidente da República. Acreditam, portanto, que conseguirão fazer uma tática semelhante com a que fez Bolsonaro com o PSL, que agora perdido o combate na legenda, resolveu criar o seu próprio partido. E de fato, não há hoje no Brasil uma legenda-partido-movimento nacional e popular para absorver a plataforma de Ciro Gomes com coerência, coesão e força militante. Contudo, pela direita, isso é possível. Pela esquerda, não é! Porque pela esquerda existe uma rocha política a ser removida do comando do campo progressista, uma rocha que atende pelo nome de PT (Partido dos Trabalhadores), uma legenda, que mesmo errática em todos os sentidos, ainda é um partido sério e gigante, é uma força dirigente e hegemônica da esquerda desde 1989, quando coincidentemente derrotou Leonel Brizola e o velho PDT, um partido que à época era forte, militante, coerente, programático e coeso, e que teve um suspiro nostálgico recentemente com Ciro Gomes (2017/2018), mas que agora volta a sua realidade de grande desorientação política. Não é preciso muito para apontar as defecções do PDT no Parlamento com votos de deputados e senadores a favor de projetos de Bolsonaro, contrariando as posições de Ciro e as posições históricas do próprio PDT (reforma da previdência, MP da liberdade econômica, entrega da Base de Alcântara, intervenção militar no Rio de Janeiro, etc.). Regionalmente, mandatários do executivo e do legislativo do PDT também cometem absurdos, como foi o caso recente do voto favorável à militarização das escolas públicas do Rio Grande do Sul pela bancada dos deputados estaduais do Partido que um dia foi de Brizola. Em verdade, enquanto Ciro esbraveja contra o PT e contra Lula (e devidamente com razão, ainda que com excessos no conteúdo e na forma), o seu PDT não se apresenta como uma plataforma político-social confiável para seus apoiadores, não se apresenta como uma alternativa séria (de “esquerda” ou “centro-esquerda”) ao PT, pois as contradições são gigantescas. A nós, por exemplo, geram um desgaste descabido e desnecessário, que só teria lógica segurar caso Ciro realmente fosse uma alternativa viável. Eis um drama político: o projeto de Ciro Gomes é realmente o que melhor atende à Etapa Nacional-Libertadora, etapa atual do processo revolucionário brasileiro, no entanto, não basta ter a ideia. É preciso materializar, e o PDT não materializa o projeto de Ciro. Mais cedo, mais tarde, isso ficará mais nítido. Porém, não será de nossa militância a dolorosa tarefa de apagar as luzes.
10) Mais que isso, o discurso contra a polarização, por mais assertivo que seja, é hoje esvaziado pela realidade cada vez mais polarizada. Afinal, Bolsonaro está montando o seu próprio partido para marcar o seu lado na polarização em definitivo, e Lula está solto (não por acaso, o mesmo STF que prendeu antes, agora soltou…) para fazer o mesmo reforçando a mesma linha do PT desde o impeachment, a linha do lulismo extremo, cego, sectário e irresponsável. Além disso, com o mesmo discurso cirista contra a polarização está Luciano Huck, com uma diferença grande de audiência, tendo em vista que terá apoio aberto da Rede Globo e da maioria dos banqueiros. O social-liberalismo de direita tende a ocupar o espaço sonhado por Ciro, considerando que todos os movimentos dele têm sido na direção de afastamento da esquerda, algo que visualizamos como erro, a exemplo da virtual aproximação com o DEM, de Rodrigo Maia, quando em verdade Maia tem um único objetivo nisso, qual seja o de garantir a eleição de Eduardo Paes (na Prefeitura do Rio de Janeiro), depois disso a tendência é que acabe sendo mais um do caldeirão do Huck, pois Maia sabe que a candidatura de vice-presidência seria uma ameaça de ostracismo, sem mencionar outras consequências mais “graves” para um político de seu perfil (risco de perder imunidade parlamentar e foro privilegiado, por exemplo). Enquanto isso, o social-liberalismo de esquerda seguirá ocupado pelo PT, seja por Lula (hoje inelegível), seja por outro “poste” petista. Estranhamente, percebe-se que a extrema-direita ocupada por Bolsonaro não possui uma radical divergência de esquerda à disposição das urnas, com organização e capilaridade. Eis a urgência do distanciamento de nossa relação institucional com o PDT. Não se supera o PT nem o lulismo com discurso. O discurso convence, mas é o exemplo que arrasta.
11) Importa dizer que a polarização não é necessariamente uma representação simbólica da luta de classes, como querem projetar falsamente os petistas. Nada disso! A polarização nacional hoje está vinculada a uma disputa moral e de valores, tendo por plano de fundo a imensa crise econômica e política, que impulsionou uma divisão na classe trabalhadora, nas camadas médias e em todos os setores da sociedade. Uma disputa que está acentuada desde o impeachment de 2016, uma disputa mais emocional do que racional, de ambos os lados, colocando o PT e Bolsonaro como totalmente divergentes, coisas que não são no plano econômico por exemplo. Mas, conforme dito anteriormente, a economia é plano de fundo ainda nessa disputa. Por isso, é nosso caminho apostar na luta de classes, apostar cada vez mais na organização da classe trabalhadora, sobretudo nos jovens trabalhadores, que sofrem, e sofrerão muito mais, com o plano econômico de Bolsonaro e de Guedes. Fazer isso mantendo distância do lulismo, e sem apresentar qualquer nome, nem mesmo Ciro, não será uma tarefa fácil. Mas essa é a nossa tarefa. É uma das tarefas dos revolucionários comunistas deste país: reconquistar a hegemonia do campo progressista, algo que foi perdido na redemocratização burguesa.
12) Diante desse quadro, a Organização A Marighella – Construção do Partido Revolucionário resolve suspender a tese da Frente Ampla nos eixos Brasil e Povo, entendendo que somente no eixo da Democracia seguiremos a ampliar com diálogos para além das nossas fronteiras ideológicas e para além dos nossos limites de classe, ou seja, seguiremos na questão democrática a ampliar com setores divergentes e até mesmo inimigos, pois o risco de dias piores com fechamento (ou com condicionantes repressivas) das mínimas liberdades democráticas deve ser combatido amplamente. Todavia, nos eixos Brasil (soberania nacional e desenvolvimento) e Povo (direitos do povo, direitos sociais), devemos impulsionar o movimento patriótico e popular, tática singular e, agora, da maior relevância de nosso Partido. Esse movimento precisa ser relançado no próximo ano, e ser fortemente instrumentalizado nas lutas do cotidiano, com foco total na digitalização do combate político, intensificando a tarefa da comunicação nas redes. O caminho ideal seria o de recriar o movimento enquanto legenda institucional da ordem, para que pudéssemos participar ativamente da disputa institucional, em exercício de tática eleitoral, com uma legenda de massas coerente, coesa, de programa imediato e acessível (nacional-popular), sem quaisquer vícios encontrados vastamente nas demais legendas da ordem burguesa. No entanto, as regras para criação de “partidos” eleitorais seguem extremamente complicadas. Inclusive, de pouco adianta conseguir levantar uma legenda, com custo enorme, para não ter sequer tempo de TV e de Rádio, além da inexistência de fundo. Assim, entendemos que o movimento rumo à legenda deve ser lançado no próximo ano, porém, a prioridade é, com filiação democrática nas legendas já existentes, fazer avançar o movimento patriótico e popular, para finalmente pavimentar a busca por mandatos populares antes ou simultaneamente à coleta de assinaturas.
13) E qual a legenda deve ser priorizada no diálogo institucional? Antes de tudo, fundamental frisar que nossa orientação declarada de não mais dialogar institucionalmente, em prioridade, com o PDT, determinando que eventuais camaradas filiados realizem suas desfiliações imediatamente, não significa, e jamais poderia significar por todo o acúmulo positivo de nossa relação, enfim, não significará um distanciamento, nem negativa de diálogo, com o grande brasileiro Ciro Ferreira Gomes. Pois mesmo em discordância, deixamos aqui abertamente o nosso profundo respeito pelo companheiro que teve a coragem de organizar uma jornada eleitoral viável no ano passado, pela esquerda não-petista, com um programa mais avançado do que os governos do PT. Assim, compreendida a situação de nossas colunas estaduais, considerada a conjuntura de cada região, e analisada a realidade das legendas do campo progressista (de esquerda e de centro-esquerda), a Organização A Marighella – Construção do Partido Revolucionário resolve abrir diálogo fraterno e companheiro com o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), inclusive lançando candidaturas nesse partido em filiação democrática. Cumpre esclarecer que salvo ordem expressa deste Comando Nacional, nenhum militante da Organização A Marighella – CPR deve estar filiado em qualquer legenda da ordem burguesa. Dessa forma, somente aqueles e aquelas que deliberadamente forem cumprir tarefas nesse diálogo institucional e/ou, de modo mais avançado, forem representar nosso Partido nas eleições burguesas, enfim, somente esses podem realizar filiação democrática no PSOL. Válido definir que filiação democrática não é uma filiação ideológica, nem mesmo uma filiação total ao projeto político da legenda. A prova disso é que nosso Partido já exerceu filiação democrática no PT, e mais recentemente no PDT, o que é demonstrativo também da nossa firmeza na Construção da Organização A Marighella – CPR, e na elaboração de balanços constantes críticos e autocríticos. Se a linha está equivocada, não mudar é cometer ato contrarrevolucionário, mesmo que a mudança possa gerar turbulências, como toda mudança sempre gera.
14) Vale posicionar nossa visão sobre o PSOL. O PSOL é uma jovem legenda, que funciona como “frente de partidos”, semelhante ao PT, no entanto, o PSOL não possui qualquer contradição que prejudique o nosso trabalho de Construção do Partido Revolucionário. Ao contrário, o PSOL apresenta enorme coerência e coesão em votações sobre as pautas da classe trabalhadora e da soberania nacional (votou contra a entrega da Base de Alcântara para o imperialismo ianque, quando PDT/PSB/PCdoB votaram a favor, por exemplo). Foi o PSOL, por meio dos deputados federais Marcelo Freixo e Glauber Braga, ambos do Rio de Janeiro, que abriu diálogo recentemente com militares de baixa patente, rompendo um silêncio de décadas imposto pela esquerda liberal, sendo nossa tarefa agora buscar potencializar isso, especialmente na linha do movimento patriótico e popular. É claro também que o fato do PSOL ser ainda uma legenda com foco no parlamento, sem grande êxito no executivo (eleições majoritárias), faz com que essa legenda possua maior facilidade em não apresentar contradições. Ao mesmo tempo, eis um problema dessa legenda, que nos preocupa demasiadamente, pois fica distanciada do exercício decisivo de influência nas grandes disputas regionais e nacionais. Um problema que eventualmente sentiremos em 2022 nas eleições para Governadores, Senadores e Presidente, porém, não agora em 2020 nas eleições municipais. Inclusive, impedir que o PSOL entre definitivamente no campo gravitacional do lulismo será uma tarefa tática importante, algo que será definido no próximo período pois essa legenda está em fase congressual. Sobre a política externa do PSOL, claramente não é a nossa. Sobre as raízes sociais-democratas e trotskistas do PSOL, evidentemente não são as nossas, visto que o Marxismo-Leninismo-Marighellismo (Pensamento-Ação do Comandante Marighella) é a orientação ideológica que norteia a Construção do nosso Partido – A Marighella – CPR.
15) Sobre o identitarismo pós-moderno tão forte no PSOL, vale dizer que isso é um drama de toda a esquerda brasileira atualmente. A proposta de vaga cativa para mulheres nas eleições ao Senado Federal, nas quais os estados brasileiros elegem dois senadores, por exemplo, foi levantada por Tabata Amaral (PDT), e foi apoiada abertamente por todas as deputadas federais e senadoras do Congresso Nacional (da esquerda e da direita, em prova de busca por alpinismo eleitoral instrumentalizando a luta das mulheres). Isso só é mais forte, ou mais visível no PSOL, justamente por ser uma legenda marcadamente jovem, com parlamentares de foco eleitoral na juventude, lamentavelmente setor mais vitimado pelas concepções identitárias. Porém, em verdade, todos os partidos eleitorais (e até mesmo alguns não-eleitorais, que se afirmam “revolucionários”) estão contaminados pela praga pós-moderna! Lutar contra isso é uma luta ideológica que custará tempo, e isso não pode nos impedir de avançar em eventuais táticas. Ao contrário, conquistar mandatos e espaços pelo PSOL, e abertamente condenar o identitarismo será inclusive como abrir uma janela para disputar setores que são atualmente vítimas desse liberalismo de esquerda.
16) De toda maneira, é central que a linha da Organização A Marighella – Construção do Partido Revolucionário seja: Radicalizar, Ampliar, e Impulsionar o Movimento Patriótico e Popular! É preciso radicalizar na luta pela libertação nacional, na luta pela Brava Gente trabalhadora deste país! Com tempo, com habilidade, com sabedoria, com competência, e com muita luta, vamos elevar o movimento patriótico e popular à categoria de legenda institucional.
RADICALIZAR, AMPLIAR E IMPULSIONAR O MOVIMENTO PATRIÓTICO E POPULAR!
RADICALIZAR PELA LIBERTAÇÃO NACIONAL E PELA DIGNIDADE DO POVO BRASILEIRO!
AMPLIAR PARA GARANTIR O POSSÍVEL!
IMPULSIONAR O MOVIMENTO PATRIÓTICO E POPULAR: PELA BRAVA GENTE!
SERVIR AO POVO DE TODO O CORAÇÃO: VENCEREMOS!
O Comando Nacional da Organização A Marighella – CPR.
Brasil, 18 de dezembro de 2019; ao centésimo oitavo ano de imortalidade do Comandante Carlos Marighella.