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Setorial LGBT: nossa posição sobre a criminalização da lgbtfobia

Desde o dia 13 de junho, a lgbtfobia é entendida como crime análogo ao crime tipificado por racismo no Brasil. Terminando assim o julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal), que havia começado em 13 de fevereiro por duas ações, uma por parte da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) e a outra pelo PPS (Partido Popular Socialista). A justificativa dos autores das ações se baseava na omissão do Congresso Nacional e dos parlamentares federais em não discutir e muito menos aprovar a matéria da criminalização da lgbtfobia, não legislando normalmente como em outras formas de discriminação, o que descumpriria dispositivos em incisos do artigo 5° da Constituição Federal, que determina o combate a qualquer discriminação que atente aos direitos e liberdades fundamentais. Entendendo a seriedade do debate e a complexidade que gira em torno deste tema, cujas as opiniões não são consensuais, até dentro do campo progressista, a Setorial LGBT da Organização A Marighella – Construção do Partido Revolucionário – vem, por meio da presente nota, manifestar a nossa posição.

É fato notório que seja o Brasil um país com altas taxas de violência e de assassinatos, e que isso seja sintoma de um país extremamente pobre e desigual, nada interessado no investimento social e nas resoluções da segurança pública para além do sensacionalismo barato. E obviamente a violência recai sobre grupos vulneráveis, como mulheres, negros, negras e LGBTs. Por evidência nesta nota apenas com foco na comunidade LGBT, segundo estimativas, o nosso país é o que mais mata LGBTs no mundo por motivações lgbtfóbicas. Em uma sociedade capitalista notoriamente patriarcal como a nossa, é natural que se imaginem formas de combate imediato contra tais agressões criminosas. Afinal, são vidas e a dignidade humana que estão em jogo.

Posto esse cenário, a demanda pela criminalização da lgbtfobia foi abraçada por diversos movimentos progressistas que usam como eixo argumentativo o fato de que outros grupos vulneráveis (negros/as e mulheres) já possuem proteção legal contra crimes tipificados no código penal e em outras legislações repressivas (exemplo: Lei Maria da Penha e Leis contra o racismo). Assim, uma legislação específica para LGBTs traria uma proteção maior e mais consciência de gênero.

Entretanto, mesmo com as boas intenções, mesmo diante do desespero do cotidiano lgbtfóbico, é preciso debater os métodos de luta contra a lgbtfobia. É preciso colocar outra perspectiva sobre a penalidade contra a lgbtfobia, afinal, a criminalização entregará os resultados desejados – a diminuição do preconceito e a redução da violência (física, verbal, mental)? E para além disso, a criminalização afetará de algum modo a sistematização do preconceito reproduzido diariamente nesta sociedade de exploração e de opressões? Vale ainda questionar: a lei Maria da Penha e a lei contra o racismo foram de fato exitosas na diminuição de casos de racismo e de machismo, ou pior na diminuição de crimes com violência contra vítimas negras/negros e mulheres?

Infelizmente, a verdade é que tanto a Lei Maria da Penha quanto a lei contra o racismo não foram instrumentos suficientes para erradicar o machismo patriarcal e o racismo, ora elementos de opressão na superestrutura do capitalismo brasileiro. Dizer isso é óbvio, pois, acreditar que o direito e o judiciário burgueses serão capazes de desmantelar as opressões do capitalismo é o mesmo que acreditar em mitos e lendas. Mais que isso, é uma triste verdade também que os dados tanto de casos de racismo quanto de feminicídios, e de outras violências contra mulheres, seguem altos mesmo após o advento de respectivas leis repressivas (algumas leis inclusive muito antigas como a do racismo que remonta a 1951 – Lei Afonso Arinos, modificada depois nos anos 80 pela Lei Caó), pois segundo o “Mapa da Violência 2015” da ONU, o Brasil é o quinto país do mundo mais violento para mulheres; e de acordo com o Ministério Público do Trabalho, para focar aqui na questão racial no cotidiano da luta de classes, em levantamento divulgado neste ano, o crescimento de denúncias de casos de racismo, no mundo do trabalho, nos últimos quatros anos foi de 30%, isso sem mencionar na disparidade salarial entre brancos e negros nas mesmas profissões (em média R$1.200). Dizer tudo isso não significa desprezar as legislações mencionadas, nem mesmo ser contra essas leis, mas significa sim ter a noção crítica de que não há proteção real para mulheres, negros/as e LGBTs da classe trabalhadora dentro do capitalismo.

Sabemos que o Estado burguês não realizará de maneira séria e duradoura políticas públicas efetivas de combate às opressões. Sabemos da condição precária de trabalho da maioria dos LGBTs em subempregos. E sabemos que entre a criminalização e a inibição de condutas agressivas de ódio há uma distância gigante, pois se trata da complexa relação entre o direito e a política, entre a lei e a sociedade, entre o ideal e o real. Por isso, a verdade é que a simples tipificação de lgbtfobia apenas a torna equivalente às outras discriminações no âmbito legal, mas estruturalmente nada mudará. É importante ressaltar de que a não criminalização não implica em não impunidade, há possibilidade de enquadramento dos casos como lesão, homicídio, injúria. Além disso, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo e com uma alta taxa de reincidência, será que o preso acusado de lgbtfobia seria “reeducado” e “ressocializado”? E por ultimo, diante de um judiciário burguês tão repressor, abusivo, racista, patriarcal e lgbtfóbico, diante desse judiciário golpista, seria mais do que razoável acreditar que a punição penal recairá majoritariamente para a população mais marginalizada da sociedade: trabalhadores desempregados, pobres, negros e negras. Obviamente não serão homens e mulheres da burguesia os alvos prioritários do judiciário burguês nos casos de lgbtfobia.

A esquerda hegemônica (socialdemocrata/social-liberal) erra em aderir cegamente e acriticamente a uma ideologia punitivista e identitária pura, inócua e simplória, esquecendo assim de pautar as condições de trabalho, os dilemas sociais e de saúde física e mental que tanto atingem a comunidade LGBT. A esquerda hegemônica erra em apostar no direito penal, mesmo que de modo simbólico, pois apenas fortalece o poder judiciário burguês e cria uma proteção meramente simbólica aos LGBTs. Pior, essa aposta deseduca os e as LGBTs que pretendem lutar de verdade, mas são enganados por uma pauta formalista e simbólica. Ademais, tudo isso, costuma dividir o debate nas massas. e distancia a comunidade LGBT da luta pela verdadeira erradicação da LGBTfobia, qual seja a luta revolucionária pelo socialismo. A prioridade é alertar LGBTs trabalhadores e trabalhadoras sobre a luta de classes, a prioridade é lutar contra a LGBTfobia com foco nas condições precárias de trabalho, a prioridade é mudar o quadro pós-moderno no comando da comunidade LGBT, liderada hoje por LGBTs da classe burguesa, que não estão preocupados com nossos e nossas trabalhadoras LGBTs.

A erradicação de qualquer tipo de opressão só será possível com a arquitetura de uma nova moral, de uma nova cultura e de uma nova educação, todas em sentido emancipatório, libertador, todas a modularem novos homens e novas mulheres. E isso só será possível, ou seja, a total superação da lgbtfobia e demais opressões só será possível em uma sociedade cujo modelo não seja baseado na exploração humana, na qual o capital prevalece sobre os interesses dos trabalhadores. Não há dúvida de que a lgbtfobia, o machismo e o racismo são opressões da superestrutura racista, patriarcal, lgbtfóbica e conservadora da sociedade capitalista. Em outras palavras, há lgbtfobia porque essa opressão, assim como as outras, é do interesse da burguesia que divide a classe trabalhadora com um moralismo arcaico. Da mesma forma, a burguesia já percebeu que a luta simbólica, e nada concreta, contra as opressões também gera dividendos nas suas empresas capitalistas “descoladas”. Ao mesmo tempo em que oprime, a burguesia também divide o campo progressista, divide a esquerda, e ofusca aqueles e aquelas que ousam lutar pela transformação radical (revolucionária). Não é por acaso que bancos e tantas empresas capitalistas embarcaram em uma propaganda “humanista”, pautando uma “luta” meramente protocolar “contra todas as formas de preconceito” e pelas criminalizações das opressões. A burguesia lucra com as opressões e lucra com o “lacre” das pautas simbólicas de “luta” contra as opressões. Não há nem haverá liberdade ou emancipação no capitalismo!

O horizonte sempre deve ser o da emancipação total da classe trabalhadora, o que consequentemente será também a emancipação das mulheres, dos negros, das negras, e dos e das LGBTs da classe trabalhadora. Porém, hoje, em acúmulo de forças, mesmo com todos os limites já expostos aqui, limites naturais do Estado burguês, devemos admitir apoio crítico à criminalização da lgbtfobia por ser medida de clamor e de desespero das nossas irmãs e irmãos LGBTs da classe trabalhadora, que imaginam que essa medida terá algum efeito real no combate contra a lgbtfobia. Da mesma maneira, conforme está no Programa Socialista Popular Brasileiro, ora programa revolucionário da A Marighella – CPR, defendemos que no Socialismo Popular Brasileiro se tenha uma punição dura contra a lgbtfobia e demais formas de opressão, o que evidentemente será acompanhado com a construção de uma nova moral, de uma nova cultura, e de uma nova educação libertadora.

Por isso, a posição da Organização A Marighella – Construção do Partido Revolucionário – é de apoio crítico à criminalização da lgbtfobia pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Mesmo sabendo que o judiciário não deveria legislar, mesmo ciente dos limites do direito e da institucionalidade burguesa, nossa posição é de reconhecimento da sensação de vitória da comunidade LGBT após décadas de invisibilidade jurídica. Nossa tarefa é mais pedagógica do que qualquer outra coisa neste momento, nossa tarefa é dialogar com cada LGBT da classe trabalhadora; e ao mesmo tempo, nossa tarefa é crítica contra essa esquerda ora liberal ora punitivista burguesa, que tem confundido LGBTs historicamente nas doutrinas identitárias pós-modernas, que tem enrolado LGBTs com pautas ineficazes e meramente simbólicas. Nossa tarefa é movimentar LGBTs na luta contra o bolsonarismo, nossa tarefa é recrutar mais e mais LGBTs trabalhadores e trabalhadoras, e estudantes, para a construção do Partido Revolucionário.

 

A Junta Coordenadora da Setorial LGBT da Organização A Marighella – Construção do Partido Revolucionário.

Brasil, 13 de julho de 2019; ao centésimo oitavo ano de imortalidade do Comandante Carlos Marighella.