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Turquia: a dialética do contragolpe – entre a geopolítica mundial e a vida do povo turco

Recentemente o mundo foi surpreendido com a notícia de que um golpe militar teria ocorrido na Turquia. Imediatamente o país que “une”, ou “divide”, a Europa da Ásia, tornou-se centro dos debates internacionais. Mas não demoraria muito para que o Governo de Erdogan realizasse um verdadeiro contragolpe e retomasse o controle político do país. E o mais curioso é, que embora tenha sido uma flagrante quartelada, Erdogan em nenhum momento perdeu o controle militar sobre o território turco.

Análises rasas marcaram os posicionamentos da esquerda brasileira e mundial. A ausência de uma carga geopolítica e a falta de percepção da fase imperialista em que vivemos fazem com que as leituras internacionais se tornem meras fotografias a retratar o óbvio desenrolar dos fatos. 

Ora, ninguém precisa relembrar do caráter burguês e semi-ditatorial do governo Erdogan. Igualmente não se precisa recordar que os fundamentos dos golpistas estavam longe de representar um avanço nas condições sofridas da classe trabalhadora turca. Do ponto de vista interno, na disputa dentro do território turco, é complicado afirmar com enorme distância da realidade local qual seria a opção menos pior à vida do povo da Turquia, quando até as próprias forças progressistas de lá não sinalizaram o lado menos ofensivo aos trabalhadores.

Ao contrário, a esquerda turca assistiu, de maneira pávida, a toda essa novela entre Erdogan e um agrupamento militar laico, supostamente liderado pelo clérigo Fethullah Gullen (rival de Erdogan exilado nos EUA), criticando o atual governo, mas demonstrando enorme preocupação sobre uma quebra do regime democrático, tanto por parte de quem tentou o golpe quanto por parte de Erdogan que sob a justificativa de combate às conspirações golpistas aumentará a repressão aos lutadores. O que já vem acontecendo.

Todavia, na vigente etapa da luta internacional contra o imperialismo, cabe aos comunistas a profunda investigação dos fatos para formar justa opinião sobre os mais recorrentes temas do cotidiano político mundial, cada vez mais em erupção vulcânica, o que evidencia um novo período de bruscas mudanças e grandes guerras.  

Assim, infere-se que o processo turco, de golpe e contragolpe, não passou de mais um evento do duro e silencioso combate da geopolítica mundial. De um lado, os Estados Unidos, a besta imperialista agressora dos povos em luta e inimiga daqueles e daquelas que ainda ousam lutar pela emancipação humana, isto é, pelo Comunismo na Terra. Do outro lado, a Rússia de Putin, um país capitalista que lidera um bloco contra-hegemônico pelo multipolarismo, e tem cumprido um importante papel na disputa contra o império norte-americano e contra o imperialismo da União Europeia, ora um crucial aliado de ordem tática, e obviamente sem qualquer ilusão de nossa parte.

O imperialismo norte-americano sustenta há muito o movimento de Gullen, rival histórico de Erdogan, que aos moldes da “primavera árabe”, visa uma suposta democracia laica com tolerância religiosa na Turquia. Entretanto, os Estados Unidos vinham mantendo também uma boa relação com Erdogan, tendo em vista a necessidade de manter a OTAN em tempos de ebulição ultranacionalista na União Europeia e, principalmente, pela voracidade comum, da Turquia e dos EUA, contra a Síria. Para tanto, a base aérea de Incirlik é o mais forte símbolo da relação EUA-Turquia. 

Porém, não faz muito, que um avião militar russo foi derrubado perto da fronteira entre a Turquia e a Síria. E flagrantemente a operação provocativa partiu da base de Incirlik. A desastrosa ideia dos norte-americanos era provocar a Rússia contra a Turquia, e logo, jogar essa no colo da total proteção ianque. Mas o que aconteceu foi justamente o oposto. O pedido de desculpas de Erdogan a Putin e ao povo russo marcou o sinal da virada do jogo. Logo em seguida, a inteligência russa descobriu os sinais da preparação de um golpe de Estado contra Erdogan, que seria promovido pelo grupo de militares laicos em conexão com o movimento de Gullen; e que claramente estava sendo amparado pelo imperialismo norte-americano, que teria a direção da operação golpista na liderança do General aposentado John F. Campbell. Foi a senha que faltava para Putin ganhar a confiança necessária do alto comando do governo turco, ainda que brevemente.

A continuação foi a aceleração dos atos golpistas de maneira forçosa, com nítido dirigismo de Erdogan. A vítima sabia de tudo e forjava seu próprio ocaso para criar o cenário do nascer solar. Várias são as comprovações de que tudo não passou de um golpe abortado por quem sofreria com o mesmo. Talvez a maior de todas seja o fato de que o governo Erdogan em nenhum momento perdeu o controle militar do território turco. O que um exército acostumado em promover golpes como o turco jamais deixaria, afinal, vale lembrar que a história turca é marcada por levantes militares.

Mais do que isso, estando totalmente ciente dos acontecimentos, Erdogan sobrevoava o território turco de seu avião presidencial. Foi dos ares que Erdogan, com plena capacidade comunicativa (controle midiático), ganhou respaldo popular ao conclamar o povo contra a intentona militar. E rapidamente, a juventude turca tomava as ruas para protagonizar as belas imagens de uma suposta força popular a barrar tanques golpistas. Contudo, o golpe já nasceu morto. O resto foi só teatro, um bom teatro para aumentar os poderes de Erdogan e a repressão contra a oposição de esquerda, em especial contra o PKK/YPG dos curdos. 

Em contragolpe, Erdogan acusa os Estados Unidos, exige a extradição de Gullen, balança a OTAN, bloqueia a base aérea de Incirlik, exonera juízes, militares e funcionários públicos opositores, e intensifica a repressão aos sinceros lutadores populares. A vida do povo turco não será mais a mesma, e as condições da classe trabalhadora infelizmente tendem a piorar. Enquanto isso, a inteligência dos Estados Unidos, que chegou a comemorar discretamente chamando o possível golpe de “levante turco” (John Kerry, secretário de estado norte-americano), e em seguida passou a defender a “democracia turca” e o mandato eleito de Erdogan, está ainda tentando entender onde foi que errou. Ao passo que Putin nem teve tempo de comemorar o contragolpe turco e já estava acumulando mais uma vitória com a crise no Democratas após o vazamento de emails que comprovam o esquema feito para derrotar Bernie Sanders em favor de Hillary Clinton nas prévias do partido. É mais uma ação exitosa dos últimos dias, que poderiam ser lembrados por “Rússia contra-ataca”, ou alguma outra expressão tipo nome de filme hollywoodiano à época da Guerra Fria. 

A dialética do contragolpe na Turquia coloca uma dura e complexa realidade, que cada vez mais deve fazer parte da luta internacionalista, e que não é uma questão de mera escolha, mas de sobrevivência da luta dos povos: geopolítica mundial ou a vida do povo local? A Marighella, por meio de sua Secretaria de Relações Internacionais, com apoio do Centro Cultural Camarada Velho Toledo, segue nos estudos e nas posições firmes em cada caso. Defendemos que o contragolpe turco foi de suma importância para impedir o avanço do imperialismo norte-americano, porém, não se pode endossar a política reacionária de Erdogan. Esperamos que as forças progressistas da Turquia consigam se reorganizar para enfrentar a nova onda ditatorial que se aproxima. Desejamos ao povo da Turquia toda a força necessária para lutar contra Erdogan e contra os fantoches do império norte-americano.