Diante do resultado condenatório do julgamento do ex-presidente Lula no Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4), a Organização A Marighella – Construção do Partido Revolucionário – esclarece e afirma o seguinte:
1. Inegavelmente o recente julgamento do ex-presidente Lula, agora condenado em segunda instância, é uma sinalização clara do aprofundamento do golpe de estado iniciado em 2016 com o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Todo o “Caso Lula”, capítulo principal da peça teatral da “Operação Lava Jato”, tem sido marcado por flagrantes vícios jurídicos e por recorrentes condutas de abuso de autoridade. Os protagonistas do judiciário, então forças importantes na coalizão golpista, objetivam a prisão de Lula como símbolo maior da criminalização política. E a arquitetura desse processo nefasto ao Estado Democrático de Direito, notadamente inspirada pelo nazista “direito penal do inimigo”, não começou ontem, ao contrário, tem sido desenhada há muito tempo.
2. A engenharia que fez do poder judiciário um superpoder com atribuições claramente executivas, legislativas, e não raro, moderadoras, foi cimentada com o devaneio esquerdista da “hiperjudicialização” da política, um fenômeno que interessa, e muito, às classes dominantes, bem como é de boa aceitação aos seus representantes do campo reacionário. Afinal, o poder judiciário não é eleito com o voto da maioria da sociedade, sendo abertamente um espaço privilegiado majoritariamente ocupado por exemplares das elites dominantes. E aquelas exceções, quase sempre heroicas, de juízes oriundos das camadas populares, costumam servir apenas para um retrato de superação individual, pois, a tendência da magistratura é a formatação de uma unidade conservadora e elitista, um bastião da ideologia burguesa. O que é óbvio, haja vista que o poder judiciário é elemento importante da superestrutura do Estado burguês, sendo obra funcional a serviço dos interesses da burguesia.
3. Dessa forma, quanto mais demandas sociais e políticas são encaminhadas ao poder judiciário, mais poderoso fica esse poder. E a esquerda democrática, marcada por um republicanismo cego e por um moralismo pequeno burguês de infrutífero combate à corrupção, ainda não percebeu que está alimentando um aparato repressivo monstruoso de alta legitimação social, posto que a “justiça” infelizmente é mais confiável para o povo do que a “política”. A tutela jurisdicional de questões políticas deveria ser buscada pela esquerda somente em casos extremos e com a devida parcimônia. Contudo, nada disso acontece. Basta lembrar que a “Lei da Ficha Limpa”, uma legislação reacionária que coloca o destino das eleições nas mãos do judiciário, foi sancionada, com apoio massivo da esquerda democrática, pelo ex-presidente Lula, hoje vítima dessa lei. Não se pode esquecer também das grotescas indicações ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) feitas pelos governos petistas, além da tragicômica autonomia para a Polícia Federal, da absurda lei antiterrorismo, e da passividade frente ao crescente autoritarismo da Operação Lava Jato. Por tudo isso, não é demais dizer que o PT está literalmente colhendo o que plantou: a erva venenosa do superpoder judiciário.
4. O receio de maiores turbulências políticas, de instabilidade econômica ao plano ultraliberal em curso, e de quebra do processo de supremacia do judiciário, fez com que o conluio golpista não aceitasse, até o presente momento, qualquer acordo para viabilizar a candidatura do ex-presidente Lula, embora o próprio notoriamente tenha buscado, ainda sem sucesso, um pacto com a direção do golpe. Assim, condenado em segunda instância, por obra da famigerada lei da ficha limpa, Lula tende a ficar inelegível.
5. Ao conluio golpista, a saída pode ser a preparação de um candidato “limpo” oriundo da Rede Globo (Luciano Huck), ou um candidato com maior envergadura política, o tucano Geraldo Alckmin, ou ainda qualquer elemento do campo reacionário, um “bonapartista” qualquer, desde que o programa das contrarreformas neoliberais seja plenamente executado, o tripé macroeconômico neoliberal não seja tocado, a alta taxa de juros seja mantida junto aos exorbitantes lucros dos bancos, a entrega do pré-sal seja continuada, a privatização das importantes e rentáveis estatais seja efetivada, a indenização vexatória aos especuladores acionistas norte-americanos da Petrobrás seja assegurada, bem como outras atrocidades políticas e econômicas, de interesse das forças do golpe, sejam atendidas. Dessa forma, pouco importará o candidato, seja mais alinhado à direita ou ao centro, o que interessará é o plano econômico golpista seguir em curso. Inclusive não é remota a chance de uma nova ruptura institucional, com o adiamento das eleições majoritárias (presidenciais, principalmente) e com a convocação de uma constituinte reacionária para concretizar o maldito regime parlamentarista e outros ataques contra as conquistas históricas da Constituição Federal de 1988. Pouco interessa quem será o principal representante do conluio golpista, o que interessa para o conluio é o projeto do golpe, antipopular e antinacional, seguir em curso.
6. Nesse duro quadro colocado, mesmo assumindo a dificuldade de configuração de uma frente ampla em defesa do desenvolvimento econômico e da ampliação dos direitos sociais, em defesa do chamado “projeto nacional-popular”, tendo em vista as agendas conflitantes das contrarreformas, não podemos retirar do horizonte que o segredo da vitória e da superação da crise brasileira, no plano imediato, está justamente na concretização de uma frente ampla, ou de tentativas desse tipo. A complexidade de alcançar a amplitude e a unidade não afasta a urgência da afirmação do quão indispensáveis são amplitude e unidade nesse cenário de caos político, econômico e social. Verdadeiramente, a saída não é uma frente de esquerda ou um sectarismo isolado. Sem o “centro” político, sem os diferentes setores, independentemente da classe, que foram e estão sendo afetados com o golpismo em curso, e sem uma campanha fortemente preparada para a guerra em todos as trincheiras da batalha eleitoral, lamentavelmente não venceremos.
7. É por isso que se torna cada vez mais fundamental propagar a inviabilidade do lulismo e de outras eventuais candidaturas sectárias do petismo, bem como é fundamental apontar sobre o perigo de abismo na insistência da candidatura de Lula sem as plenas condições de elegibilidade garantidas. Embora tenhamos solidariedade ao ex-presidente Lula frente a todo esse processo de perseguição política travestido de combate à corrupção, que o condenou duas vezes sem provas, temos também a compreensão óbvia de que o destino do povo brasileiro é mais importante do que qualquer coisa. Os rumos do Brasil e os interesses da classe trabalhadora são imensamente mais relevantes do que os interesses do PT. A lógica petista de abusar do direito de candidatura presidencial para que Lula possa se defender da Operação Lava Jato é um delírio irresponsável, e esperamos que isso não aconteça pelo bem da própria história do ex-presidente Lula. Em poucas palavras, defender Lula contra as condenações sem provas e contra a perseguição da Lava Jato não significa endossar sua inconsequente candidatura à presidência da república. Somos solidários ao ex-presidente Lula, mas somos totalmente contrários ao registro de sua candidatura, pois não se brinca com o futuro da nação, ainda mais em meio a um golpe em curso.
8. Dessa forma, também pontuamos que as vigorosas manifestações em defesa do ex-presidente Lula, por mais numerosas e expressivas que tenham sido, refletem tão somente a pequena parcela da população que está organizada ou está no campo gravitacional das organizações populares e dos movimentos sociais de alinhamento direto ou indireto com o Partido dos Trabalhadores, que de fato, mesmo com todas as suas limitações e com o seu processo político falimentar aberto, ainda é uma força política nacional de grande densidade militante. Entretanto, para além das caravanas bem organizadas pela estrutura petista, quem estava manifestando nas ruas de Porto Alegre nos dias do julgamento de Lula? Para além da militância petista nas ruas das capitais brasileiras nos dias 23 e 24 de janeiro, quem estava presente? A grande massa popular e trabalhadora infelizmente não se animou e segue em descrédito com a política no geral. As mobilizações contra o golpe em 2015 e em 2016 já deveriam ter servido como mecanismo de dúvida da capilaridade e do impacto social da militância nas ruas. Igualmente, a confiança cega nas pesquisas eleitorais, que martelam quase diariamente um inabalável eleitorado de Lula, independentemente de qualquer situação, o que curiosamente tem sido dito com mais força pelos institutos de pesquisa e pelos monopólios de comunicação desde que ficou escancarada a existência de alternativas reais ao lulismo (seja com Ciro Gomes, seja com Manuela D’Ávila, seja com Guilherme Boulos, seja com qualquer nome progressista), demonstra que a cegueira do PT não se resume ao endeusamento de Lula, mas também a uma incapacidade de leitura crítica das pesquisas eleitorais, que notoriamente são tendenciosas e possuem objetivos vinculados aos de quem as paga. E nesse caso atual está claro o intento: o golpismo precisa que a esquerda caia na armadilha de apostar todas as suas fichas em Lula, um candidato inelegível!
9. Na mesma esteira, cumpre frisar que beira ao escárnio a palavra de ordem “Eleição sem Lula é fraude”, além de ser mais uma insana tentativa de intensificar a criminalização da política e o desligamento das massas populares com o mais importante pleito eleitoral dos últimos 30 (trinta) anos. Em primeiro lugar, os revolucionários comunistas não possuem qualquer ilusão com a disputa superestrutural do sistema capitalista em regimes de ocasião democrática, as denominadas “eleições burguesas”, que devem ser vistas sob o prisma da análise tática concreta para acumulação de forças. Ou seja, toda eleição burguesa, em regra, é uma farsa do capital para legitimar socialmente a ordem da burguesia. Não será por meios pacíficos eleitorais que chegaremos ao Socialismo, ou que superaremos todas as mazelas sociais, ou que avançaremos em definitivo sobre o real poder político e econômico pertencente à burguesia. No entanto, os revolucionários comunistas possuem duas alternativas diante das eleições burguesas: disputar para acumular forças à estratégia revolucionária, ou denunciar a falsificação do processo eleitoral burguês para elevar a consciência das massas e também acumular forças à estratégia da revolução. Não se trata de uma decisão fácil. Mas o postulado marxista-leninista de realizar análise concreta em cada realidade concreta deve orientar a resposta em cada local, em cada circunstância política, e em cada tempo. E, hoje, em meio a um golpe não militar, que ainda permite mínimas liberdades democráticas, diante de um processo eleitoral singular com participação da imensa maioria da população brasileira, não é muito difícil perceber que, em vez de um inocente abstencionismo eleitoral, o caminho é a tática da disputa eleitoral orientada por uma correta política de acumulação de forças à construção do Partido Revolucionário.
10. Todavia, toda lição comunista exposta acima é indiferente ao PT que, distanciado da ciência revolucionária do proletariado, parece estar disposto a buscar o afastamento das massas populares do processo eleitoral numa tentativa de boicote ou abandono à disputa real dos rumos do país. Tudo para evitar uma eventual transposição das lideranças de Lula e do próprio PT na direção do campo progressista. O plano de fundo não é a denúncia da perseguição sofrida pelo ex-presidente Lula, mas, sim, a criação de uma barreira à ascensão de outra candidatura progressista e de outro partido da esquerda democrática. Por isso, o PT brinca com a inteligência das massas anunciando que pode colocar a foto de Lula na urna mesmo ele estando inelegível e sendo outro o candidato petista. De todas as maneiras, sabemos que a retirada de Lula da disputa eleitoral faz parte do aprofundamento do golpe, para justamente implantar essa cizânia no campo progressista, porém, colocar em risco as eleições livres e diretas deste ano de 2018 e não apresentar alternativas ao problema, abandonando a disputa ou brincando com a mesma, é de uma imensa insanidade política. E nós não ficaremos calados diante disso: toda solidariedade a Lula, mas eleição sem Lula é eleição sem Lula!
11. Não se brinca com o destino da brava gente brasileira. Apesar de todo o sofrimento do golpe de 2016, ainda não estamos na pior fase golpista, qual seja a eliminação das mínimas liberdades democráticas. Além disso, as alterações da política externa imperialista para a América Latina nos permitem acreditar que a influência ianque tem sido menor recentemente. Hoje o conluio golpista é basicamente composto pelos agentes reacionários do judiciário, pela burguesia rentista (banqueiros), por outros setores mais atrasados da burguesia embriagados pelo antipetismo e fissurados nas contrarreformas neoliberais, pela Rede Globo e outros monopólios de comunicação, e pelas representações políticas orgânicas da direita brasileira, sendo essas as que tendem mais ao fracionamento e à divisão, o que colabora com a luta contra o golpismo.
12. As tarefas urgentes são: avançar na configuração de uma frente ampla patriótica e popular, em defesa do desenvolvimento econômico e da ampliação dos direitos sociais, em defesa do projeto nacional-popular; defender a Constituição Federal de 1988 e toda legalidade progressista acumulada na Nova República; enterrar a reforma da previdência e demais ataques à classe trabalhadora, apontando claramente quem são os candidatos e as forças políticas favoráveis ao fim da aposentadoria e ao fim dos direitos sociais e trabalhistas; garantir eleições livres e diretas neste ano de 2018, conforme o calendário constitucional; e fazer avançar a candidatura de Ciro Gomes na mais poderosa e ampla coligação possível, pois se trata da única campanha progressista com capacidade de triunfar diante das limitações de Lula.
Garantir eleições livres e diretas neste ano de 2018!
Defender a Constituição Federal de 1988 e toda legalidade progressista!
Enterrar a reforma da previdência!
Toda solidariedade ao ex-presidente Lula, mas eleição sem Lula é eleição sem Lula!
Ciro Gomes vem aí!
Brasil, 1º de fevereiro de 2018; ao 107º ano de imortalidade do Comandante Carlos Marighella.
Comando Nacional da Organização A Marighella – Construção do Partido Revolucionário